“O maestro Sérgio Magnani, em seu livro Expressão e Comu nicação
na Linguagem da Música, escreveu, em uma ligeira análise sobre o novo e o original: ‘Há épocas, como a atual, que parecem obcecadas pela preocupação de descartar tudo o que pode lembrar o passado, mesmo sendo ele recente’. No momento em que o trabalho musical estabelece, como prioridade o entendi mento desse passado, descartá-lo seria, não apenas um ato inadequado, mas, impossível. Chega-se, então, ao âmago da questão. Como fazer com que o passado se assemelhe ao novo? Magnani acentua, ainda em seu livro: ‘O novo como tal não importa, sim enquanto original; porque o novo pode se repetir como nos processos tecnológicos e na produção artesanal de interesse, unicamente, profissional mas só o original é irrepetível’.
O escritor Unamuno registrou em seu prólogo às poesias escolhidas de Machado: ‘a originalidade não consiste na novidade dos temas, mas na maneira de os sentir’. Eu acrescentaria: e de os transmitir. É o que ocorre com essa parceria SaGRAMA e o Projeto 500 anos - Um Novo Mundo na TV, da Fundação Joaquim Nabuco, através da Massangana Multimídia Produções. Esta série de vídeos com bonecos iniciada em 1998, focaliza a formação e o desenvolvimento de nossa sociedade, atingindo um público de 28 milhões de alunos da rede pública, em todo o país através da TV Escola do Ministério da Educação. Para criar a trilha sonora do módulo `Brasil-Império’, foi escolhido o grupo SaGRAMA. A direção musical do trabalho é de Sérgio Campelo, líder do grupo composto por músicos de formação erudita adquirida no Conservatório Pernambucano de Música, instituição que vem projetando verdadeiros destaques na música brasileira. No caso espe cífico deste trabalho, o SaGRAMA procura reinventar a música do Brasil na época do Império. Este cd conta, ainda, com a participação especial do grupo Faces do Subúrbio, na faixa Antigos Privilégios. Trata-se de uma banda formada por jovens do Recife, que agrega o rap à música popular regional. Formada em 1992, tem três cds gravados, o último com indicação para o Grammy. São parcerias como essas, que afirmam cada vez mais, a competência do homem do nor deste brasileiro.”
Renato Phaelante
“O velho apartheid populares e eruditos é derrubado por Tábua de pirulito, o quarto disco do grupo pernambucano SaGRAMA. Mas trata-se de uma demolição sutil, integradora, onde os dois canais fundem-se numa proposta que o diretor musical Sérgio Campelo, autor da maioria dos arranjos e de cinco das 17 faixas, identifica com o conceito armorial. Ex-integrante (durante três anos) do Quarteto Romançal, vinculado ao movimento fundado pelo teatrólogo Ariano Suassuna nos anos 70, Sérgio assinala linhas paralelas com esse ideário, a partir da formação clássica do SaGRAMA. Criado em 1995 no Conservatório Pernambucano de Música, o grupo confere tratamento ca me rístico à música popular nordestina, incluindo a folclórica. Em Tábua de pirulito há até uma estilização de música indígena, na faixa Cauin. Três vozes se repetem em situações diferentes, um flautim emula a gaita enquanto o ritmo é palmilhado por maracas, ‘instrumento de percussão comum aos índios fulni-ô de nossa região’, descreve. Com o nome garimpado numa escala musical de origem indo-européia, o SaGRAMA tem feito carreira à margem do mercadão com discos encaixados em projetos de incentivo cultural. Mas desde o de estréia, em 1998, que levou o nome do grupo e vendeu 11 mil cópias, o SaGRAMA moldou seu público. Em 2000 foi lançado Engenho e no ano passado o país inteiro ficou conhecendo sua trilha sonora para o filme O Auto da Compadecida, adaptado da montagem de TV de Guel Arraes da peça escrita por Ariano Suassuna. Devotado ao acústico, o noneto é formado por Campelo, Frederica Bourgeois (flautas), Crisóstomo Santos (clarinete), Cláudio Moura (viola nordestina), Fábio Delicato (violão), João Pimenta (contrabaixo), Antônio Barreto (marimba), Gilberto Campello e Tarcísio Resende (percussão). ‘Mas todos tocam vários instrumentos o que dá ao grupo uma boa opção de timbres’, define o líder.
A propósito, os arranjos têm a preocupação de não identificar a condução do tema por um único instrumento, evitando a linearidade. Há freqüentes contrapontos, jogo de vozes e a intervenção de instrumentos pouco usuais como marimba, vibrafone, clarone, xilofone, viola nordestina, contrabaixo, flautas de vários tipos (o que permite o recurso uníssono muito usado nas primitivas bandas de pífanos) e a popular rabeca. Na área de percussão a folia é ainda maior: tom-tons, timbales, gongo, latas, prato suspenso, multi-ganzá, chimbal, ovinhos, moringa de três bocas, caixa-clara, alfaia de macaíba (típica do maracatu), caxixis e obviamente pandeiro, triângulo e zabumba. ‘No novo disco procuramos buscar gêneros que não entraram nos anteriores’, separa Campelo, indicando entre eles o reisado da faixa de abertura Guerreiro do além-mar, a chegança de Gajeiro (com participação especial do Quinteto de Cordas da Paraíba) e a Louvação, que nomeia a composição lenta, evocativa de Cláudio Moura, pontuada por vibrafone e surdão. Pé de camurça, por sua vez, baseou-se na ‘La ursa’ a brincadeira de crianças que saem batendo lata e pedindo dinheiro no carnaval do Recife. Outra jóia do repertório é a Rabecada, composição do maestro de frevos José Menezes (não confundir com seu homônimo mago das cordas, radicado no Rio). A elaborada trama orquestral (onde dialogam flautas, clarinete, viola, violão, baixo e percussão) permite ao solista convidado, Yerko Pinto (1º violino do referido Quinteto de Cordas da Paraíba) altos vôos no instrumento considerado primitivo. Há ainda temas de latitudes estéticas diversas como o baião Cantiga, o quadrilheiro Carnavá na roça e o agalopado Lamento ribadêro. Não falta nem o básico Luiz Gonzaga numa composição menos difundida, a toada Légua tirana (parceria com Humberto Teixeira, lançada em 1949), relida num dolorido contraponto de valsa. O disco é dedicado a outro criador de peso, o maestro Dimas Sedícias, da cidade de Bom Jardim-PE, que faleceu em setembro passado, aos 71 anos. ‘Ele era um entusiasta do SaGRAMA. Aparecia nos ensaios, fazia arranjos, trazia músicas novas’, recorda Campelo. Do celebrado, além de Pé de camurça (com Ro mero Amorim), foram escolhidas Papagaio de papel e Brilhareto. Outros eloqüentes exemplos que acasalam com perfeição o eco das ruas nas salas de concerto.”
Tárik de Souza
“O nordeste brasileiro continua dando provas de imensa vitalidade cultural. O trabalho de seus artistas – instrumentistas e compositores – no campo da música é o mais significativo atestado de sua riqueza cultural. Uns menos e outros mais declaradamente, mas todos vimos nos beneficiando das fontes populares da cultura nordestina. O mais novo trabalho dos jovens músicos do SaGRAMA é uma evidente demonstração da filiação que esses artistas têm para com a música do seu povo. Gêneros musicais já tradiciona lizados como o frevo, o maracatu, o baião, etc, e outras formas reelaboradas de música instrumental são apresentados por um grupo de instrumentistas afinados em colaborar verdadeiramente com o espírito da música. Contando com um variado naipes de instrumentos, os músicos do SaGRAMA avançam na direção de uma música cada vez mais refinada, mas que não perde sua capacidade de seduzir. Digo isso porque a sua música tanto se escuta com os ouvidos quanto com o corpo todo. Agora memo, enquanto escrevo essa apresen tação, escutando as músicas que compõe o cd, já me levantei umas duas ou três vezes para saracotear o corpo no meio da sala. O trabalho do SaGRAMA vem contrariar esse conceito tão difundido pela ideologia cultural dominante de que boa arte é chata. Esse é mais um desses deformados e deformadores conceitos que nos empurram diariamente pela mídia massifica dora e irres ponsável. A música do SaGRAMA é música boa. É aquela música que divertindo-nos, alegrandonos, comovendo-nos também nos educa e eleva.”
Antonio Nóbrega
“Indubitavelmente, a música instrumental nordestina ocupa hoje
Clóvis Pereira